Imaginemos nosso nascimento. Estamos lá com nossas mães e conosco alguns potinhos vazios. Isso, potinhos que conforme vamos crescendo vão sendo enchidos com nossas experiências de vida: uma festinha de aniversário, uma nota baixa na escola, testemunhar os pais discutindo, ser do time de basquete, protagonizar uma peça de teatro na escola, ser rejeitado(a) pelo(a) garoto(a) mais popular da turma… enfim. Pequenas e marcadas experiências que vamos guardando nos nossos “potinhos da vida”.
Todos temos potinhos e neles podem caber experiências positivas ou negativas. As positivas ficam em frascos à parte, bem guardadinhas. As negativas podem ficar bem à vista, dependendo das experiências que tivemos, estilo de pensamento e de enfrentamento.
O que estou chamando de potes ou frascos são nossos esquemas mentais. Em terapia cognitiva, entendemos que há três esquemas mentais básicos que podem fazer parte da personalidade de cada um: o esquema de desamparo, o esquema de desvalor e o esquema de desamor. Cada um com seu conteúdo específico, isto é, suas crenças. Em outras palavras, suas verdades absolutas que regem sua forma de sentir e se comportar.
As crenças possuem conteúdo particular para cada um de nós e podem ser inferidas, isto é, com base no comportamento da pessoa supõe-se uma dada crença, mas também podemos observá-las de forma mais explícita quando elas são verbalizadas.
Elas podem ser divididas em duas classes: crenças centrais e crenças intermediárias. Crenças centrais são ideias gerais, absolutas e rígidas que desenvolvemos a respeito de nós mesmos, dos outros e do mundo. Elas podem ser funcionais ou disfuncionais, e geralmente os pacientes que vem para terapia apresentam crenças disfuncionais com seus respectivos esquemas ativados. A qualidade das crenças dependerá das experiências de vida de cada um. Por exemplo, do estilo de educação recebido dos pais, dos aspectos culturais, das relações interpessoais estabelecidas e de exposição a eventos estressores. Somado a isto, aspectos genéticos e estilo cognitivo (ou seja, a maneira de interpretar os eventos do mundo) também influenciarão no desenvolvimento das crenças.
Não muito diferente, as crenças intermediárias também vão depender das experiências de cada um. Essas crenças são um pouco menos rígidas que as crenças centrais e podem se manifestar em forma de comportamentos e estilo de enfrentamento. Dentre as crenças intermediárias estão as atitudes, regras e pressupostos. Exemplo: uma pessoa pode ter desenvolvido o pressuposto de que “se tiver o controle de tudo e todos, então não se sentirá vulnerável”; uma regra rígida como “o controle é a melhor forma de manter as coisas organizadas ” e uma atitude de “preciso ser forte”. Em termos concretos, crenças intermediárias são as estratégias de enfrentamento que são desenvolvidas lidar com as crenças centrais.
Vamos fazer um exercício pensando numa situação da vida real: imagine que você tem uma reunião importante no trabalho. Você coloca uma roupa formal, calça um sapato bonito e discreto, e segue seu caminho. Leva sua pasta com os documentos que irá apresentar na reunião, tudo organizado na noite anterior. No meio do caminho você precisa subir uma escada de 12 degraus e toma fôlego. Por azar e euforia do momento, no 11º degrau tropeça, cai, rala o joelho, estraga o bico do sapato e espalha todos os seus documentos no chão. Aí você pensa: “Não acredito! Agora como é que eu vou para essa reunião? Vão pensar que sou um(a) desastrado(a). E não é para menos, olha só isso. Que tragédia!”. Você sente uma raiva incontrolável com todas as forças do seu ser, fica muito ansioso(a), tenta se acalmar e liga para o chefe para desmarcar a reunião.
Essa pequena anedota exemplifica o teor desse texto. Vamos observar a relação entre crenças e esquemas com os pensamentos automáticos, as emoções e os comportamentos.
Na anedota temos o seguinte:
Os pensamentos automáticos podem ter uma relação direta com nossas crenças, particularmente quando esses pensamentos desencadeiam emoções e comportamentos que se repetem em outros contextos. Assim, podemos identificar que tais pensamentos constituem um padrão geral de funcionamento da pessoa.
Supondo que pensamentos dessa natureza sejam frequentes no nosso exemplo, podemos inferir cognitivamente que:
Como mencionado, as crenças podem ser inferidas e claro, testadas. Caso elas se confirmem é importante observar que tipo de crença o paciente tem e quais estratégias desenvolveu para lidar com ela. Perguntas essenciais que nos ajudam a entender esquemas e crenças são:
“Como o paciente enfrenta sua crença nuclear?”
““Que regras, atitudes e pressupostos ele desenvolveu para compensar a sua crença?””
É claro que muitas estratégias vão sendo utilizadas e por vezes não são disfuncionais. O problema surge quando fazemos um uso excessivo dessas estratégias, causando prejuízo social e funcional.
Em suma, identificar crenças e quais esquemas são ativadas em dadas situações, nos dá matéria-prima para compreendermos o funcionamento cognitivo e comportamental do paciente, o que evidentemente nos ajudará por meio de uma infinidade de procedimentos a reestruturar sua forma de pensar, sentir e agir no mundo.